quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Hesitação - a arte do crescimento


This photo of The Art House is courtesy of TripAdvisor

Estávamos a construir uma piscina na areia, abrindo valas com as mãos que viriam a servir de fossas protetoras daquela pequena represa onde os seus pezinhos chapinhavam com confiança. Cada porção de areia líquida cavada aos despejos das ondas era atirada para os rebordos da represa, aumentando o declive entre o fundo da vala e o cume das paredes que lhe ladeavam os pezinhos. Ele ganhava cada vez mais confiança e entusiasmo, não porque fossem sólidas as paredes mas porque eram seguros os olhares das mães. Uma observava com paciência o que a outra construía com decisão. Sentia-se desejado. Começou também a cavar na areia com os dedos e atirava o que recolhia para o chão, afirmando a prova de aprendizagem por empréstimo. O amor raramente é dado, pelo menos ao início. É implícito na transmissão e é explícito na imitação. Então ele foi imitando. Depois algo mudou. Começou a ir cada vez mais longe recolher a areia líquida e já não atirava para a represa. Atirava-a mesmo para as covas das pegadas dos seus pezinhos e olhava para ver o que acontecia. Tinha levado com ele o olhar interessado da mãe e o braço poderoso da outra. Dava mesmo a sensação que tinha que ir mais longe para saber o que era dele. Não deixava, porém, de voltar à represa para molhar o pé e rir-se para as mães gritando vitória. Mas da última vez algo voltou a mudar e desta vez foi mais grave. Foi arrancar um pedaço de areia tão longe que quando se preparava para o atirar para o seu caminho reparou que o mar estava mais perto dele do que o seu próprio caminho. As suas pegadas perdiam vantagem à aventura marítima. Hesitou e ficou parado por uns segundos. Aquela pausa tão determinada não conseguia disfarçar o interesse:  que efeito faz a areia líquida na espuma atiçada? Que reação pode causar a certeza na dúvida? Seria o seu braço tão poderoso se abandonasse o propósito da represa? E quem a vigiaria a represa as mães? Não havia nenhuma garantia que lhe desse mais prazer o desencontro dos caminhos ou a possibilidade de reencontro do seu. Deambulava assim em pequenos círculos, com os restos das conchinhas na mão, saboreando o centro da sua ultima pegada e a vontade de agredir o mar. Não havia dor, muito menos atraso de nada, apenas avanço de tudo. A tarde estava ganha.

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