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ESTADO DE EMERGÊNCIA CRÓNICA
Chegas e entras. Não porque queiras mas porque tem de ser. A
tua vinda é apenas uma vírgula numa luta incessante que vai durar toda a vida
para mostrares a ti mesmo que és mais forte do que a morte que tens por dentro.
Morte da liberdade e do valor, enquanto de vida te resta a voracidade do medo,
que em metástases de ódios e culpas se expande pela única competência que te
resta: conseguir afastar o agressor. E consegues, tornando-te tu o agressor
porque és claro na mensagem: "ninguém faz mais de mim o que quiser".
Mas faz. O tribunal decide que vais novamente para uma unidade de emergência de
uma casa de acolhimento e que durará apenas dois dias. Passados os dois dias,
irás para um centro terapêutico onde te vão ajudar a seres menos violento. Mas
não vais. Passam dois dias, mais dois dias, duas semanas, dois semestres e continuas em unidade de emergência da casa de
acolhimento, fazendo das tuas, desesperando e exigindo verdade, praticando a
mentira. Só podes mentir. É o código vigente. Até que pegas fogo à casa e foges
de vez. Nunca mais hás de ser verdadeiro com ninguém. Nem contigo próprio. Aprendeste
a pior lição da vida, só podes confiar na mentira. Mas a vida mais ninguém te a
tira... a não seres tu.
Esta realidade tão dramática e esta mentira institucional está
assim determinada no quotidiano de jovens encaminhados para a unidade de
emergência de casas de acolhimento que dão o possível e o impossível para
proteger as crianças e jovens do perigo e da violência a que foram traumática e
involuntariamente expostos. Os profissionais destes centros deparam-se todos os
dias com a inevitabilidade da traição: ou traem a confiança dos adolescentes
mentindo-lhes todos os dias sobre a duração da medida de "proteção"
ou desqualificam os tribunais e as comissões de proteção revelando ao
adolescente que a medida é mentirosa e que o seu estado de emergência será
crónico, com termo indeterminado. Existem centros de acolhimento que lutam
todos os dias pela transparência e sinceridade com os adolescentes que recebem
na unidade de emergência quase todas as semanas. Estes profissionais decidiram
que não se pode esperar pelo final da emergência e que a verdadeira emergência
é a do acolhimento. Colocam em risco, todos os dias, a sua própria saúde
mental, para lidar com a tensão da revolta que todos estes adolescentes trazem
da fuga da vida. Tentam transmitir a melhor lição da vida: há alguém que se
importa.
Transparência e sinceridade não são apenas valores, são
armas pacíficas contra o crime. Estão acessíveis a toda gente. São um dever de
toda a gente. As famílias, as instituições, as sociedades têm urgentemente que
aprender a promover relações de confiança, dizendo a verdade e acompanhando o
processo de construção de verdades. A verdade é a ideia que fazemos do que construímos
uns com os outros. Se não construímos nada uns com os outros a verdade só pode
ser uma: a de que a relação é uma mentira.